Se você, como eu, cresceu influenciado pela cultura pop americana, especialmente filmes e séries, eu tenho certeza de que você sabe algo sobre o Dia das Bruxas.
É lógico que eu não estou duvidando da sua inteligência ou pensando que você viva em algum ponto afastado da civilização (como eu), mas vamos considerar que você não tenha ido a nenhuma festa de Halloween na sua vida, ou não saiba do que se trata, ou mesmo nunca tenha ouvido falar desse dia. Em 31 de Outubro, nos EUA e em alguns pontos do planeta, é celebrado o Halloween, conhecido por aqui como Dia das Bruxas. Por lá, a tradição é se vestir com fantasias e sair pelas ruas à noite pedindo doces de porta em porta, algo como um dia de Cosme e Damião macabro. "Travessuras ou gostosuras!" Certo, como falei, nós conhecemos esse dia muito mais pela infuência da cultura pop do que por tradições próximas a nós.
Isso só se popularizou muito, muito recentemente por aqui, se comparada à sua existência norte-americana. Mas na moral, você sabe realmente o que é o Halloween? Você sabe realmente o que acontece nesse dia? Então vamos lá!
Os antigos povos pagãos, especialmente celtas, celebravam 8 dias especiais durante o ano. Eles eram conhecidos como Sabás, dentro de um ciclo chamado de Roda do Ano. Eles determinam o melhor tempo para plantar, o melhor tempo para colher, o melhor tempo para ficar em casa e se proteger do frio ou sair e se divertir no calor. Eram especiais porque estavam diretamente ligados à sobrevivência dos povos europeus. Também determinava um ciclo que se repetia todo ano, ano após ano. Um ciclo de enfraquecimento e fortalecimento do Sol, contado figurativamente como uma história de amor entre o Deus e a Deusa, mãe de todas as coisas. Os oito Sabás são:
-Yule, o Solstício de Inverno
-Imbolc, ou Candlemas
-Ostara, o Equinócio de Primavera
-Beltane
-Litha, o Solstício de Verão
-Lammas ou Lughnasadh
-Mabon, o Equinócio de Outono
-Samhain, o Dia das Bruxas ou Halloween
Representavam a forma como os povos antigos tentavam compreender o mundo, a resposta para perguntas como "Por que nesta época do ano é mais frio?" ou "Por quê as plantas florescem nessa época?". Aconteceu algo semelhante por todo o globo, cada povo retratando sua forma de entender o mundo através de suas divindades e mitos de criação.
Samhain (se pronuncia Sôl-win ou Saw-ween) é nada mais, nada menos que o Ano Novo dos povos pagãos, em pleno 31 de Outubro. Por isso é um dia tão especial. Certo, mas o que isso tem a ver com bruxas? Acontece que os povos antigos acreditavam que neste dia, a barreira que separa o nosso mundo do mundo dos mortos fica muito, muito frágil. É a noite em que os espíritos visitam a terra dos vivos. As pessoas mais sensíveis seriam capazes de ouví-las ou mesmo ter contato com elas.
Marca também a ida do deus pagão cornífero ao mundo dos mortos ao mesmo tempo em que representa a esperança do renascimento desse mesmo deus dentro do ventre da Deusa.
Este é o mais importante de todos os Sabás, pois, dentro da Roda do Ano, marca tanto o fim quanto o início de um novo ano. Nessa noite, o véu entre o nosso mundo e o mundo dos mortos se torna mais tênue, sendo o tempo ideal para nos comunicarmos com os que já partiram. As bruxas não fazem rituais para receber mensagens dos mortos e muito menos para incorporar espíritos. O sentido do Halloween é nos sintonizarmos com os que já partiram para lhes enviar mensagens de Amor e harmonia. A noite do Samhain é uma noite de alegria e festa, pois marca o início de um novo período em nossas vidas, sendo comemorado com muito ponche, bolos e doces. Caso não saiba, o termo "bruxa" tem origens em palavras do inglês arcaico, quase sempre relacionadas à sabedoria (o que porta a sabedia, o sábio), "wice" e "wicce", as mesmas palavras que deram origem à "wise" e "wizard". Quando os cristãos invadiram a europa pagã, os chamavam assim pejorativamente, relacionando os deuses que esses povos adoravam à sua figura do que era o Diabo.
Muito mais que uma festa onde as pessoas dão doces, esse dia (essa noite, mais especificamente) representa muito na vida dos grupos que tentam resgatar as antigas tradições pagãs. Os praticantes da bruxaria moderna, especialmente os da religião Wicca, comemoram esse dia com muita reflexão sobre tudo o que fizeram durante o ano, dedicando momentos à memória daqueles que já se foram. Para quem crê, há muita energia envolvida com esse dia e deve se direcionar seus pensamentos às coisas boas.
Pelo mundo todo, crescem as festinhas de Halloween, com gatinhas fantasiadas. Isso é muito, muito legal, mas seria melhor ainda se tirássemos alguns minutos, pagãos ou não, para refletirmos sobre quem somos e nosso papel na existência.
Bom, seja você quem for ou onde estiver, um feliz Halloween para você e um Samhain abençoado!
Um Conto de Samhain

-'Comecemos? Vou contar para vocês a estória de como o Cornudo se sacrifica todos os anos para garantir força à Grande Mãe, para que esta possa vencer o frio do Inverno. Estão prontos?' As crianças acalmaram-se para ouvir Lyla.
-'Não foi a muito tempo que aconteceu. O Sol sumia no Oeste, e as aves noturnas já deixavam seus ninhos, umas ameaçando cantar. Debaixo das árvores, correndo para suas tocas, os pequenos animais apressavam-se, fugindo do frio cortante que se faria presente em pouco tempo. Aquela era a época do Cornudo, e só as criaturas mais fortes sobreviveriam a inverno tão rigoroso. O Sol baixou, baixou, até que só se via uma fina linha de separação entre céu e Terra no horizonte, e tudo ficou avermelhado, com um ar mais mágico. E então, a luz se foi. A Lua estava crescente no céu, e um vento gelado começou a correr por entre os troncos seculares das árvores. Ouve-se, agora, o som de uma flauta...som tão límpido e cristalino, que a superfície do lago, antes parada, tremulou ao som da melodia alegre. Todos os animais da floresta pararam para ouvir o som da flauta, e mesmo as aves noturnas cessaram seu canto orgulhoso. E por entre as árvores, a flauta se fez ouvida em toda a floresta. E mais nada, além do som doce da flauta.
Atravessando o lago, um pouco depois do Grande Carvalho, estava a fonte de tal encantamento.
Sentado numa pedra coberta de limo, balançando ao som da flauta de bambu, um ser robusto, com tronco e cabeça de homem, pernas cobertas de pêlo, cascos de cavalo e grandes chifres pontiagudos.
Observava a donzela que dançava ao som de sua música, logo à sua frente. Tinha longos cabelos claros, lisos, que escorriam até a altura da cintura. Os fios sedosos acompanhavam os movimentos da dança, pés habilidosos moviam-se descalços sobre a grama. A Deusa nunca havia estado tão bela quanto naquela noite.
Os dois brincavam nus, na noite fria da floresta, e alguns animais se juntavam ao redor da clareira. Cansada, a Donzela sentou-se, e olhando para o Cornudo, esperou que a música acabasse. Quando o Deus afastou a flauta de seus lábios, as figuras dos animais e da Donzela desapareceram ... meras lembranças. A Deusa agora recolhia-se grávida no Mundo Subterrâneo, guardada por seus familiares, pronta para dar à luz dentro de tão pouco tempo.

Era necessário que o Sol Novo nascesse. O Cornudo levantou-se com tristeza e caminhou até o
lago, para observar seu reflexo. Já estava velho e fraco, mas ainda continha grande energia ...
energia necessária para que a Deusa agüentasse o parto que se seguiria e]m menos de dois meses. Já não podia continuar a viver ... a Terra precisava de seu sangue, e o Sol Novo de sua energia.
Um grito ecoou em sua mente: a Deusa sofria. Aquele era o momento certo. O Cornudo olhou para os céus, e olhando para a mata, despediu-se de sua casa. Tambores rufaram quando Ele ergueu suas mãos e pronunciou as palavras secretas. Houve uma explosão, e Ele desapareceu.
Aqui, numa clareira nas montanhas, já distante da floresta, ouviam-se os tambores de guerra. Uma música rápida e repetitiva tornava o ar agressivo. Também com uma explosão, o cornudo surge no centro do círculo, um olhar decidido em seu rosto.
O Velho Cornudo tinha agora em suas mãos uma adaga ritual, e quando Ele a levantou apontada
para seu peito os tambores cessaram. Cernunnos fechou os olhos, e o momento se fez silencioso ... aqueles segundos duraram milênios ... O Cornudo levou a adaga a seu peito, e os tambores voltaram a tocar.
Quando a lâmina fria rasgou a carne do Deus, não houve um grito, sequer um sussurro de dor ... apenas o som do sangue derramando-se sobre a terra. O Cornudo ajoelhou-se, com calma em seu olhar. Com as próprias mãos, abriu a ferida para que os espíritos recolhessem o sangue.
Quando o círculo tornou-se silencioso novamente, e todos os espíritos partiram, o Deus deitou e
virou-se para as estrelas, e esperou que a paz voltasse a reinar sobre a floresta. Ainda sentia o
sangue escorrendo para fora de seu corpo, e regando o círculo sagrado em que repousaria para
sempre.
E do solo, ou talvez de lugares além das estrelas mais distantes, elevou-se um cântico, murmurado e pausado ... talvez fossem as pequenas criaturas do subsolo, ou ainda as estrelas, despedindo-se de seu Deus.
"Hoof and Horn, Hoof and Horn
All that Dies Shall be Reborn.
Corn and Grain, Corn and Grain
All that Falls Shall Rise Again."
O Cornudo morreu sorrindo, sabendo ser a semente de seu próprio renascimento. E Ele pode sentir sua energia retornando ao útero da Grande Mãe, que agora deixava de sofrer... Os espíritos, então, romperam a barreira entre os dois mundos, e caminharam por sobre a Terra, espalhando o sangue e a força do Deus, para que pudéssemos sobreviver através dos tempos difíceis que se aproximavam.' Lyla limpou uma lágrima que escorria de seu rosto. As crianças ainda ouviam atentas.
'É por isso que os espíritos vêm ao nosso mundo nessa noite tão escura ... Eles trazem consigo um pouco do sangue do Deus Cornudo, que só renascerá no Solstício de Inverno. Trazem conselhos, proteção e promessas de que nos irão guiar durante todo o período escuro do ano. Devemos, portanto, saudar os espíritos, porque, sem eles, a semente do renascimento não seria espalhada.
Agora vão para a Casa Grande, vamos começar o ritual.' Lyla deixou que as crianças corressem na frente em direção à Casa Grande. Parou no meio do caminho, e deixou que seus ouvidos escutassem os sons do além. E de algum lugar chegou aos ouvidos de Lyla um cântico... 'Hoof and Horn, Hoof and Horn...' E Lyla caminhou para a Casa Grande.
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Renan Ishin, embora agnóstico em relação a muita coisa, é praticante da religião Wicca.